quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O cheiro da noite

Era de noite, estávamos a conversar na varanda, a tia Dada e eu. Ela estava a contar-me como tinham sido as férias dela em Luanda, as coisas que ela tinha feito, os sítios que ela tinha ido enquanto eu estava nas aulas. Ela ia-se embora no dia seguinte, e já há alguns dias que não falávamos, então estávamos mesmo a pôr a conversa em dia, mas, claro, naquele caso era pôr a conversa na noite.
Noite tem cheiro, sim. Pelo menos aqui em Luanda, na minha casa, com este jardim, noite tem cheiro. Eu já vi na televisão umas plantas que só abrem de noite, eu chamo-lhes planta-morcego, e eu não sei se aqui neste jardim tem planta-morcego mas, que a noite traz outros cheiros para esta varanda, lá isso traz.
Se isto que eu vou dizer existe, então aquela noite tinha um cheiro quente, que pode ser uma coisa, imaginem, onde se ponha rosas muito encarnadas, folhas de trepadeira com um bocadinho de poeira, muita relva, barulho de grilos, barulho de lesmas a andar em cima da baba, barulho de gafanhotos, um só barulho de cigarra, um cacto pequeno, fetos verdes, duas folhas grandes de bananeira e um tufo enorme de chá de caxinde, assim tudo bem espremido, eu acho que ia sair o cheiro desta noite.

trecho do livro Bom dia Camaradas de Ondjaki.

http://www.kazukuta.com/ondjaki/ondjaki.html

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